terça-feira, 1 de dezembro de 2009

BASTARDO, Erick Henrique

Meu nome é Samuel, tenho quarenta e três anos, não conheci meu pai, e minha mãe me deixou em um orfanato quando eu tinha sete anos, sofri muito, mas minha mãe falou que era para meu bem, pois ela não tinha condições financeiras para me manter. Lembro-me dela falando sobre meu pai, “um homem alto, bonito e aventureiro”, um aventureiro que tinha varias mulheres por onde passava, até que um dia encontrou uma mulher por quem apaixonou-se (essa mulher não era a minha mãe). Quando ele casou-se minha mãe estava grávida de mim, mas achou melhor não falar para ele. Hoje trabalho em um hospital não sou medico ou enfermeiro, sou um faxineiro, sou uma pessoa frustrada eu queria mesmo era trabalhar em um navio, viajar, conhecer pessoas, ir de cidade em cidade- como meu pai fazia, ele vivia no mar, em grandes embarcações- eu me lembro de quando eu estava no orfanato imaginando a imensidão do mar e um navio conseguindo desbravá-lo e meus colegas zombavam de mim faziam musicas para me ofender.


Só contei isso para mostrar como eu uma pessoa desiludida posso ter mais sentimentos para com um paciente deste hospital que a sua própria família. Esse paciente era um velho solitário que deu entrada no hospital a dois meses atrás quando teve uma parada cardiorrespiratória que foi quase fulminante, um diabético com uma infinidade de problemas cardíacos, um homem com um olhar triste, solitário, melancólico, ele sempre passava a mão nas duas alianças no seu dedo, isso sempre me dava um aperto no coração.

Ouvi um boato de que um antigo comandante aposentado da marinha estava internado no quarto 473, então fui lá correndo para arrumar o quarto (lógico que foi apenas uma desculpa) Cheguei lá e perguntei:

- Boa noite, está tudo em ordem¿

E ele respondeu:

-Claro que não! Não posso comer nada só mato e comida sem gosto, não me deixam nem tomar meu Wisk.

Então ele abriu um sorriso.

Assim conheci o comandante que tinha o mesmo nome que eu, e ficamos amigos. Eu adorava quando ele contava suas aventuras, como quando salvou de um afogamento um de seus subordinados, todas as mulheres que teve, até encontrar sua verdadeira paixão, Carmem era o nome dela, por ela deixou todas as outras, com ela teve uma filha, que foi criada com todo amor que se pode dar a uma criança, hoje ela tem dois filhos, é casada e ocupada de mais para visitar o pai, que um dia foi rico e está falido, pois gastou todo seu dinheiro no tratamento de Carmem contra um câncer, tratamento esse que foi inútil. Agora ele vive com a aposentadoria que recebe.

Eu ia vê-lo e ouvi-lo todos os dias às vezes ele quase que me implorando pedia que eu levasse em uma pequena garrafinha o seu tão sagrado Wisk, levei poucas vezes, mas me arrependi de todas. Um dia quando estava fazendo minha rotineira visita ao quarto 473 encontrei-o vazio, fui correndo a recepção.

-Onde está o senhor do 473?

-Esta na U T I, teve uma crise (explica a secretaria).

Olhei do lado de fora pelo vidro por não poder entrar, e observei todos aqueles aparelhos ligados a ele. Ele ficou lá algumas semanas e sua filha só foi vê-lo duas vezes, então ele acordou em uma manhã um pouco nublada passou um tempo em observação e recebeu a noticia que poderia ir para casa, então ele veio me contar com a voz tremula e baixinha:

-Samuel meu amigo, estou melhor já posso ficar com minha família, um dia volto para visitar-lhe.

É... Ele nunca mais voltou para me visitar, morreu no outro dia, na verdade os médicos só queriam que ele vice a família antes de morrer. Fiquei sabendo do horário de seu enterro e fui dar meu ultimo adeus.

Havia muita gente, sua filha estava ao lado do marido.

Começou a chover, as pessoas foram saindo uma a uma inclusive sua filha, até ficar apenas eu, fui a única pessoa a ver a terra cobrir completamente o caixão. Tirei do bolso do meu casaco uma garrafinha com um pouco de wisk e derramei em cima da cova como em um ritual.

-Adeus meu grande amigo Comandante Samuel.